"Alguns fatos sobre nosso querido pai"
por Elizabeth e Tereza Cristina Megale
Estes fatos fazem parte de nossas memórias, conversas familiares e observações que temos da conduta profissional de nosso pai. Alguns detalhes podem estar com pequenas deturpações, pois foram se desvanecendo ao passar do tempo.
Dedicação total à busca do conhecimento desde o início da profissão.
Lembro-me do meu pai saindo de casa de madrugada, duas ou três vezes por semana, para ir ao matadouro, em busca de órgãos doentes dos animais abatidos para seu estudo e posterior conhecimento dos alunos. Acredito que muitos de seus slides provenham deste período.
Nunca abandonou o magistério
Mesmo ao retornar dos Estados Unidos com as novas tecnologias sobre Inseminação Artificial e Transplante de Embriões, coisas pioneiras para nosso país, nunca as usou em benefício próprio ou visando lucros pessoais. Naquela época, poderia ter enriquecido, como muitos de seus alunos, mas o amor à ciência e sua transmissão aos seus sucessores não o deixaram abandonar o magistério. Nada escondia do que sabia. Costumava dizer:
"Se todos tiverem que começar por onde comecei, a ciência não evolui".
Relacionamento com a Fundação Rockefeller
Pelo seu reconhecimento profissional, obtinha tudo que precisava dessa fundação, desde bolsas de estudo para seus alunos, como recursos em doações para a Escola de Veterinária. Acredito que muito do hospital Veterinário da Escola foi obtido na época através de seu prestígio. Lembro-me inclusive de uma caminhonete que meu pai recebeu para o trabalho de extensão com os alunos.
Patriotismo
Nunca pensou em deixar o Brasil, mesmo sendo convidado várias vezes. Desenvolveu um aparelho no mestrado e os americanos não queriam que ele retornasse ao Brasil. Não sei bem os detalhes, mas me lembro de seu aparelho ficar retido lá, não sei os motivos. Mas meu pai só voltou para cá com ele em mãos. Ele dizia que isso era patrimônio dos brasileiros.
Acreditava na capacidade dos brasileiros
Meu pai sempre contava que ao relatar a um de seus professores do exterior sobre o trabalho que vinha desenvolvendo (não sei precisar qual era), foi humilhado por ele, que dizia que aquilo era impossível, talvez por ser uma coisa inédita. Após ouvir todas as críticas, o Professor Megale refutou dizendo que merecia o direito de resposta e demonstrou o que vinha pesquisando. O professor, estupefato, após examinar tudo, desculpou-se, reconheceu o valor e o pioneirismo do trabalho e a capacidade de pesquisa do professor brasileiro. Posteriormente, se tornaram grandes amigos.
Presença em congressos de medicina.
Por muito tempo, o Prof. Megale era o único veterinário convidado para congressos de Reprodução Humana. Levava suas pesquisas já realizadas com sucesso nos animais para orientar os trabalhos direcionados a seres humanos.
Honestidade com os recursos públicos
Nosso pai nos passou essa consciência de muita austeridade com o uso dos recursos públicos. Mesmo dispondo, às vezes, de carro oficial para seu serviço, nunca o usava para fins particulares, prática que acontecia com muita frequência naquela época. Nunca fez concessões com este mau uso em nada que viesse do setor público.
O caso Polônia
Este é um caso que merece ser relatado. Estávamos em pleno período de Guerra Fria (não me lembro o ano) e a Polônia era um país da Cortina de Ferro.
Professor Megale e sua equipe foram participar de um Congresso Mundial neste país. No meio das apresentações, um americano apresentou, como sendo seu, um trabalho que tinha sido feito pelo meu pai há anos atrás. Ele nunca poderia imaginar que aquele "latino-americano" estivesse presente também naquele evento.
Meu pai, com seu perfil de homem da ciência, e com uma humildade que lhe era particular, talvez não se manifestasse, mas sua equipe, revoltada, não permitiu, dizendo que era pelo nome do Brasil.
Terminada a apresentação pelo americano, meu pai subiu ao palco e, educadamente, disse que no Brasil era comum consultar a bibliografia mundial a respeito dos assuntos a serem apresentados num congresso (naquela época não havia internet!) e que aquele trabalho havia sido feito por ele nos anos 50, creio eu. Inclusive estavam com ele os filmes super 8 que continham seu trabalho, contextualizando com cenários e carros da Universidade de Cornell na época. Era um trabalho antigo e ele já tinha outras pesquisas inovadoras para apresentar. Imaginem a situação!
Reza a lenda que nos jornais do dia seguinte foi bem comentado o "deslize americano".